O diabetes mellitus é um problema crescente em todo o mundo e caracteriza–se por um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos que promovem a hiperglicemia, ou seja, o aumento da glicose no sangue (glicemia). Em 2019, a Federação Internacional de Diabetes (International Diabetes Federation, IDF) estimou que cerca de 463 milhões de pessoas (9,3% da população mundial), entre 20 a 79 anos de idade, viviam com essa doença e que se as tendências atuais persistirem, em 2045 esse número será estimado em aproximadamente 700 milhões. O Brasil ocupou a 5a posição no ranking dos países com maior número de indivíduos com diabetes, em torno de 16,8 milhões de pessoas em 2019.
Esses números são alarmantes e estão associados a fatores como estilo de vida sedentário, maior número de pessoas com excesso de peso, crescimento e envelhecimento populacional e à maior sobrevida dos indivíduos diabéticos dentre outros.
Em geral, os alimentos sofrem digestão no intestino e se transformam em açúcar, a chamada glicose, que é utilizada pelos tecidos como energia. A insulina é o hormônio produzido pelo pâncreas responsável para a entrada da glicose na célula, e alterações na sua ação e/ou produção podem ocasionar alterações nesse processo e, consequentemente, hiperglicemia e disfunção celular.
Basicamente, o Diabetes é dividido em 2 tipos. O diabetes mellitus (DM) tipo I presente em 5% a 10% dos casos, mais frequente em jovens, sendo resultado da destruição das células pancreáticas produtoras de insulina levando a deficiência completa deste hormônio. Já o DM tipo II está presente em 90 a 95% dos casos, se manifesta mais frequentemente em adultos, e tem a obesidade como um importante fator de risco. Nestes casos, o problema não é a falta de insulina mas sim um defeito na ação da insulina, chamada de resistência insulínica.
Muito já se fala nas complicações macro e microvasculares observadas em pacientes com o DM de longa duração e mal compensado. Mas essa doença pode ir além, apresentando forte associação com neoplasias, especialmente o DM tipo 2. Embora, a associação mais forte seja com o câncer de pâncreas e fígado, estudos sugerem que outros tumores como o de mama, endométrio, bexiga e rim também podem estar associados ao DM tipo 2.
Especificamente no caso do câncer de pâncreas, numerosos estudos descrevem essa associação sendo observado uma via de mão dupla. Em uma meta – análise de 88 estudos, o risco relativo total de câncer de pâncreas foi duas vezes maior na população diabética em comparação com pacientes sem diabetes. Por outro lado, a hiperglicemia pode ser consequente ao tumor de pâncreas e atualmente pesquisas clínicas avaliam a possibilidade de detecção precoce deste tumor pela presença do aumento da glicose. Em resumo, o DM de longa data pode estar associado ao tumor de pâncreas e o tumor de pâncreas em um indivíduo não diabético pode causar o diabetes.
A razão do diabetes aumentar o risco de se ter câncer ainda não está totalmente elucidada, mas os possíveis vínculos biológicos compreendem a presença da resistência a insulina com aumento no sangue dos níveis de insulina, a hiperglicemia e o fato que os indivíduos com diabetes possuem inflamação crônica proveniente do tecido adiposo.
Quando essas duas condições coexistem, há uma série de peculiaridades envolvendo tanto o tratamento para a neoplasia de base como no manejo do diabetes. O controle glicêmico pode ser influenciado por muitas variáveis, incluindo ganho ou perda de peso, stress, infecções, cirurgias e medicações que podem elevar os níveis de glicose de forma substancial.
Além dessa associação entre diabetes e câncer, há vários desafios no manejo do paciente diabético durante o tratamento do câncer. Esses pacientes são submetidos a tratamentos que podem resultar no descontrole do controle glicêmico e portanto é de extrema importância que fiquem vigilantes ao controle da glicemia e alertem seus médicos no caso da descompensação. Se possível, é importante manter o seguimento com o médico endocrinologista durante o tratamento do câncer.
Várias drogas oncológicas podem resultar na hiperglicemia. Um exemplo é uma droga recentemente disponível no Brasil para o câncer de mama metastático receptor hormonal positivo chamada Alpelisib; essa droga bloqueia a ativação da via da insulina levando a hiperglicemia. Outro medicamento muito utilizado na oncologia é o corticoide com a finalidade de prevenir a náusea durante a quimioterapia. O corticoide frequentemente resulta na hiperglicemia. Portanto é imperativo realizar o controle glicêmico nessas pacientes em tratamento com essa medicação, especialmente, naquelas que já possuem diagnóstico prévio de diabetes.
O diabetes e o câncer são condições desafiadoras tanto para o paciente como para a equipe médica, principalmente quando estão presentes de forma concomitante. Para melhores resultados, é fundamental que o paciente seja avaliado de uma forma individualizada visando a efetividade do tratamento, aliada a uma boa condição metabólica. Também é de suma importância que o plano terapêutico envolva a redução dos fatores de risco, muitas vezes negligenciados, que possam ter contribuído pra condição de base.